segunda-feira, 9 de maio de 2011



"Dificil mesmo é segurar os pés no chão enquanto a mente só quer voar "
                              
Pra rua me levar  
                        (Ana Carolina) 


Não vou viver como alguém que só espera um novo amor
A outras coisas no caminho onde eu vou
As vezes ando só trocando passos com a solidão
Momentos que são meus
E que não abro mão
Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora
Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você
É, mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessa que me fiz e que ainda não cumpri

Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas talvez você nem queira ouvir
Já sei olhar o rio por onde a vida passa ... 

Eu Poético

Estou deitado no meu quarto em Santos, folheando as páginas de um livro. Ouço batidas na porta, é minha mãe.
- Oi Guto, está ocupado?
- Não. Pode entrar (largo o livro).
Ela tem a expressão preocupada, senta na poltrona.
- Filho, tenho me angustiado. São essas coisas que você escreve, nesse seu site... Está tudo bem?
- Claro que sim.
- Eu acho que você não está. Li outro dia um texto, o Hotel em Amsterdão.
- É “O Hóspede em Ams-ter-dam” – respondo, com o nome do texto correto, e uma pronúncia melhor – O que é que tem?
- Você está contando da sua viagem para a Holanda ali.
- Não estou não.
- Está sim.
- Não estou não.
- Não responde que é feio. É você! O papo sobre terminar com a namorada, o que acabou mesmo acontecendo na volta. E aquela parte sobre cair da janela, se afogar no canal, sobre beber sozinho no quarto do hotel? Você fez tudo isso lá?
- Claro que não. Aquilo é ficção. Aliás, eu seria um fenômeno se tivesse caído de uma janela, me afogado num canal e estivesse aqui falando com você.
- Você tem usado drogas?
- O quê?
- Na Holanda é todo mundo louco, e a maconha é liberada. Você fumou?
- Não! Por quê? Isso está escrito lá?
- Não, mas fiquei pensando, desde que li aquilo. Tem ainda aquele outro texto, o Oitavo Passo. Sobre o rapaz que quer parar de beber e vai conversar com as ex-namoradas. Nele você fala que andou bebendo, largou a garrafa, e foi falar com a namorada em Guarulhos. Bom, você nunca teve namorada em Guarulhos. Mas teve em Osasco, você estava falando de Osasco.
- Não estava.
- Estava.
- Não estava.
- Estava. Era aquela moça, qual o nome dela?
- Deixa para lá. Mãe, você está confundindo as coisas. Nunca leu Fernando Pessoa? “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente”.
- E desde quando você é poeta? Ou tem capacidade de inventar essas coisas todas? Aquilo é você. Meu filho, eu entendi que você está sofrendo. Mas ao invés de nos contar, fica ali se expondo, que vergonha. Contando sua vida para todos. Ah, os vizinhos, a família...
- Chega! Aquilo não sou eu. É meu Eu Poético.
- Seu o quê?
- Eu Poético. Ou Eu Lírico. É quando o escritor ou poeta expressa sentimentos que não tem. Eu disfarço o que sinto. Eu posso escrever uma história com meu nome, Luiz Augusto, mas não quer dizer que seja eu mesmo. Posso escrever um poema de amor sem amar ninguém. Posso ficar furioso com alguém, dizer que vou matá-la, mas isso não é a sério. Você acha que o Seinfeld, do seriado que leva o nome dele, é daquele jeito na vida real?
- Olha filho, só sei que estou muito preocupada. Essa conversa ainda não acabou. Eu vou ficar de olho.
Ela sai do quarto, batendo a porta. Apanho de novo o livro que eu lia, Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley. O trecho dizia: “Lá em cima, no quarto, o Selvagem lia Romeu e Julieta”.
Suspiro:
- Ninguém compreende um artista.
                                                        ( Luiz Augusto )